quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

A Espera.

Aí tem gente que me diz que não fazer pecado é ter o amor sem esperar nada em troca. Acontece que desde menina, antes mesmo de conhecer a dor, eu já arrumava os meus lábios em perfeito formato de coração cor-de-rosa antes de dormir pra que quando viessem me acordar num beijo, eu soubesse que alguma coisa ia me levar dali, como acontece nos filmes que a gente vê durante a vida, sabe? Que a mocinha dorme, dorme, dorme até encontrar o amor, e só acorda pra ser feliz para sempre. Eu esperava isso também.

Eu não cresci muito, só o coração. Já não me arrumo pra dormir e meus lábios não são mais tão cor-de-rosa assim porque uma vez eles ficaram tão rosados que eu tive certeza que havia chegado a hora. Certeiro! Quando acontece a gente pensa: vieram me buscar pra ser feliz pra sempre. Mas eu não estava dormindo e por isso alguma coisa deu errada. Ele acabou indo embora. Eu fiquei.

Falo pra todo mundo que não tem graça, que tem coisa que não existe, que história de filme é de filme e aqui em casa tá longe de aparecer um moço interessado no enredo. Todo mundo ri e diz que é besteira, que uma hora ou outra há de bater o amor aqui na porta. Eu sento e espero e dou gargalhada fingindo que rio da desgraçada de quem acredita ainda, mas não deixo que ninguém saiba que de todos eles a mais desgraçada sou eu.

Acho que a dona Mazé, a vizinha aqui da frente, esperou o amor a vida inteira. Ela vivia sozinha na frente de casa, balançando pra lá e pra cá, desejando alguma coisa ou novidade. Vez ou outra eu parava e imaginava como ela se arrumava pra esperar o amor e se alguma vez o conheceu. Talvez quem não encontra um, é porque nunca soube como se aprontar pra aguardar o beijo que te leva daqui. Um dia eu acordei e a dona Mazé não apareceu. Minha mãe me disse que ela tinha dormido pra sempre. Aí eu pensei: ela deve ter assistido os filmes que a gente vê durante a vida. Há de ter arrumado os cabelos, as roupas e aprontado os lábios em formato de coração cor-de-rosa e dormido, dormido, dormido igual as mocinhas das histórias que são levadas pra algum lugar pelo amor, pra serem felizes para sempre.

sábado, 24 de janeiro de 2009

O que magoa é partir sabendo que não se vai sentir saudade de nada.

domingo, 11 de janeiro de 2009

Bendito

Sabe qual o meu maior medo? Não o tenho de ti ou de mim, tenho dos outros. Não é bom quando a segurança depende de gente que pode acabar com tudo sem querer, alguém que nem conheces, nem vês. Eu tenho medo da inveja que eles têm. Dos desejos que eu sinto, das palavras que te rogo, do amor que te dedico. De tudo que eu escrevo pedindo pra que leias, querendo que o mundo saiba, mas implorando pra que ninguém almeje sentir ou ter igual. Por ti, por mim, por alguém. Porque o que tenho, é egoistamente nosso.
Babe, querendo ou não, isso tudo é feito de cristal que quebra fácil, que lasca como a unha, que me deixa tremula em pensar que não se pode consertar em dias. Que precisa polir, que não deve haver interferências, que merece atenção todas as horas sem deixar que ninguém me ocupe por mais tempo do que me ocupas.
É tempo quando eu preciso. Há tempo, a tempos... preciso te guardar. Numa caixa, num espaço, num pedaço de papel, de mim. Um pedaço de ti na alma. Preciso dos sonhos, dos gostos, das tuas cores se misturando com as minhas e criando uma só, assim: preto no branco. Sem listras, sem linhas, sem formas. O infinito em tela clara. Tenho sede de ser o teu meio, teu zelo, o teu fim.
Quando foi que eu te vi assim minha? Minha. Tenho o nome que eu peço a noite, no bar, na conta, na sala. Escrevo pela televisão, pelo quadro, no rosto. O teu nome, amor, na mão.
Eu te digo, e como te digo. É bem dito, amor, o meu orgulho pelo que se criou, que se fez aqui. Esse ninho. Por tudo o que eu sinto, tudo o que tenho, por pegar a tua mão e ir contigo. E me guias, e te guio. É bendito.
Eu te amo, e palavra nenhuma me acompanha nesse sentimento mudo. Nem gesto quando perco minhas mãos. Amo-te no olhar. Nos meus olhinhos com os teus. E te sinto no coração.

love,

B.

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Sobre uns pézinhos de maçã.

Seus pés eram pequeninos. Tão pequenos que mal deixavam rastros quando passava, embora o peso fizesse com que a marca fosse profunda.
Eles não davam o equilíbrio que Margot precisava. Porém concentrava-se muito e, aos poucos, em passos pequenos que suas longas pernas se habituavam a dar, aprendeu a caminhar sem nunca tropeçar ou cair, reclamando a cada vez que ameaçava acontecer um "não dou, não dou, não dou". A menina tinha certeza de que esse era o seu bordão feito em dó ou ré maior.

A camponesinha, sempre que levantava o avental procurando segurar as frutas postas nele, perdia a visão dos pés. Céus, que formigas escondiam tão pequenos pés sem rumo? Que se refrescavam à sombra de uns aventais tão gastos e já sem pano.

Tudo crescia na criança, até o coração que já não cabia mais no peito. Mas os pézinhos, não. Eram assim, pequenos e delicados como mão de princesa. Traziam em cada unha um nome e cabiam naqueles sapatinhos como se houvessem sido feitos sob medida. E nem eles, que eram de madeira, conseguiam tirar a suavidade dos pés da menina, que encolhia ao ver alguém com pés grandes se aproximar, com medo que matassem seus dedinhos.

Já acostumada com o que não tinha jeito, a menina foi a cidade vender as frutas colhidas da estação. No meio do caminho, Margot tropeçou em uma corda, dessas de crianças brincarem - coisa que ela nunca pode fazer. Foi seu primeiro tombo, que levou alguns dias para torna-la firme sobre os pés, pois sendo eles tão minúsculos, era difícil conseguir o equilíbrio como antes.

Margot, que nunca tivera muito com o que lidar, chorou com a vergonha de ficar no chão por tanto tempo e machucar as mãos que, embora calejadas, ficavam sempre amostra e eram tão brancas.
Ela descontou seu desgosto mordendo maçãs azedas e rijas.