domingo, 9 de maio de 2010

Aos Pedaços

O que entra pela janela é delírio. Esse feixe de luz invadindo a sala, clareando tudo. E o meu risco de semi luz resistindo a essa claridade me cega, me doma, me deixa sem ação.
- Houve uma época em que as pessoas eram felizes.
- Houve uma época em que as pessoas tinham coração.
- Expurga de mim essa dor.
- Só te tirando o coração.
- Tanta gente já não o tem, que diferença faz?
Faca no peito: ao menos dessa vez a ferida não veio pelas costas. Rasgos e retalhos: ao menos dessa vez os cortes não foram nos pulsos.
Eu tinha tanto amor, tanta fé, tanta dedicação e cuidado. Cuidei como se fosse de cristal, não como vidro. Como diamante, na certeza que de tão forte riscaria qualquer vidro barato. Não adiantou.
- Devolve aqui meu coração.
- Ele não vive mais.
- Preciso voltar a acreditar.
- Pedaço de qualquer negócio resolve. Coloca outra coisa no lugar. Bicho de pelúcia, coração de bananeira.
- Não vai bater.
- Reconstrói ele. Tivesses força um dia.
Eu tive tanta força um dia, tanta vontade. Eu, eu, eu. Como se o mundo girasse em torno de mim. Fui uma flor tão fácil de se cuidar, não chegava nem perto de ser cactus. Nem rosa eu era, porque não tinha espinho. Fui uma planta qualquer, com uma cor bonita e saudável. Hoje eu sou tão morta.
- Minha alma dói, tem como?
- Alma doer? O que dói é corpo.
- Minha dor é por dentro.
- Quer tirar mais alguma coisa?
- Por que mesmo sem coração ainda dói?
- Coração não manda em nada, menina. Quando se diz "sem coração", quer dizer sem sentimentos, e esses não vem de um órgão qualquer.
Eu quero tanto te amar, mostrar o que eu posso ser. Mas eu não tenho mais coração, só tenho alma, sentimento, algumas moedas e esse fio que separa a gente e faz de tudo tão amar-go. Um fio tão fino, mas tão forte.
- Eu te amei tanto um dia. Amei o improvável, o impossível, o que eu pensei que não existisse. E não existia. Eu amei ela com todas as minhas forças. Estas acabaram, o amor não.
- Faz qualquer coisa que faça esquecer. Joga as roupas fora, as fotos, os bilhetes.
- O cheiro? O beijo? O abraço?
- Joga tudo fora, menina.
- Não consigo, tenho apego.
- Vai chegar esse outro alguém.
- Na próxima esquina ela me espera.
- E o que vais falar a ela?
- I cheese sandwich you.