quarta-feira, 7 de abril de 2010

Lettres d'amour

"Alguém te amou e hão de te amar como eu te amei.
Há corações que te darão o que eu te dei.
Tu passas pela rua e a vida continua
E em mim também esta saudade sempre tua."

- É hora de voltar -, dizia a voz ao longe. - Aya, teu anjo da guarda te chama, é hora de voltar! - e assim se seguiu por repetidas e repetidas vezes naquilo que parecia um sonho, um sono. Mas eu não podia, ou não queria deixar aquele pedaço de paz. Nenhum anjo me chamava, eram só as pessoas implorando pela minha volta. Enquanto isso Iemanjá jorrava aquela água salgada guardada há tanto tempo, que tanto segurei.

A alma incolor, os olhos secos, coração devastado.
Não se planta quando não se tem disposição para cuidar, ou quando é algo momentâneo: plantarei e vou cuidar para o resto da vida até amanhã. Compra-se a semente, prepara-se a terra, despeja-se todo aquele pacotinho cheio do que um dia frutificará. Rega-se, cuida, coloca ao sol durante os três primeiros meses. Tem tudo pra ser uma planta linda, grande, cheia. Mas é difícil demais de cuidar e então vêm as distrações. A planta fica duas semanas sem água, e o que que tem? Quando regares de novo ela volta a ser como era. As formigas tomam conta da terra e comem as folhas. Resolvem, então, por podá-la. Talvez renasça. Mas é exigente e esquisita demais. Demora a dar novas flores, o dono enjoa e ela é esquecida.
Sem dar certo a planta, resolve por fazer um bolo. Segue à risca toda a receita, mas esquece o fermento. Que bolo cresce sem fermento? Não fez tudo o que deveria ser feito. Bolo no lixo.
Talvez cookies dê certo. Mistura pronta, tudo ao forno. Vai para sala assistir televisão até dar o tempo de ficarem prontos. Distração: os cookies queimam.

Tomo um rivotril, leio um livro pra dar sono, peço a benção aos meus Orixás e deito na certeza de que essa noite será tranquila, que dormirei a noite inteira. Acordo: apenas 3 horas "sonhando".

Todo mundo carrega no peito a esperança de um novo amor, que te cuide melhor, que regue a plantinha, que não esqueça o fermento nem deixe os cookies passarem do ponto por distração. Mas eu.. eu peço a quem poça me dar coisas simples: um pouco de paz, amor próprio e vontade de continuar. Continuar assim: mesmo nesse vazio, nesses amores descuidados, nessas saudades irremediáveis.
O sangue secando no peito. Em plena 5 horas da manhã. Nenhum corte, nenhum coração saindo seio afora. Nenhum sonho, nenhum sono, nenhum motivo ou vontade. A vida como cobra: trocando de pele.
Mais uma frustração na prateleira das ilusões. Mais uma vez sem conseguir fazer alguém feliz. Mais uma vez dispersa do mundo com a certeza de que sou coisas nada poéticas: perigosa, traidora, puta, vagabunda, vaca. A lista segue. Segue quando, na verdade, a única coisa que eu sou é sozinha.
Suspiro, e se ainda o faço é porque há algo de muito doce em mim. É, porque meu coração descompassado, árido, desértico, ainda respira. Porque suspiro leva tanto açúcar que não é coisa que vem do pulmão quando o fizemos, mas sim do fundo da alma.

Continuei ouvindo as vozes que me chamavam. Tarde demais: anjos da guarda cansados. Carregaram-me para o fundo do mar.

4 comentários:

John disse...

Lindo.

E como senti falta de coisas tão belas e líricas nesse seu hiato.

Entendo (ou pelo menos sinto por) sua dor. Espero que domine a vigília, espero que ache alguém e não mais padeça.

Anônimo disse...

Às vezes não comento, mas sempre leio.
Verdade.

É que, por vezes (ou sempre), seu texto fala por si e eu prefiro não comentar a ficar no "lindo, lindo".
Porque você, que é flor primaveril e vento outonal, merece mais que adjetivos tão recorrentes quanto "lindo, lindo". Você merece o mundo, o mundo e o amor.
Me junto ao John, que não mais padeça, que não permita que ninguém arranque suas pétalas.

Que floresça sempre. Que continue a deixar suas palavras virarem folhas secas a cair no meu chão.

É, senti falta das suas palavras.

Anônimo disse...

Flor, só pra avisar: mudei o endereço do blogue http://absurdoabinitio.blogspot.com/

Julia disse...

então trate de nadar para a superfície. ou pelo menos bóie com seus suspiros, bóie até querer nadar de novo.
então faremos cookies, bolos e brigadeiro, tudo solado, queimado e sem gosto, mas com amor (: